O campo é infinito, de erva seca, não se sabe onde começa ou acaba. Nem é preciso. Não há datas nem horas, só o dia e a noite. Isso basta. Sabe que o sol lhe queima a pele e a lua lhe ouve todos os segredos. Isto basta.
Por tudo ser tão imenso e sem significado, tem medo. O pai ensina-lhe que o medo é bom. Dá-nos consciência dos limites. Deve ter medo dele, da mãe, do padre e de Deus. Assim, nunca vai cruzar a linha. Será mantida ali, naquele campo.
Aos poucos, quase imagina as paredes. É um campo, mas nunca ouve os pássaros. Fica sozinha, o dia todo, a ver as ovelhas esconderem-se do calor que fustiga. Imagina o que está para lá da colina? Mora lá gente? Olham o mesmo céu? Têm o mesmo Deus? E esse Deus, mete medo?
Sente muito medo à noite. A casa de pedra quase fica fria quando divide o pão com os irmãos e mais fria ainda quando se ajoelha para rezar. O sono é pesado, cai-lhe aos ombros, faz com que se encolha. Sempre que se apanha a deslizar no cansaço, começa a oração de novo.
Debaixo do cobertor fino, tenta imaginar o rosto de Deus. Imagina as pernas imensas, capazes de correr todo o mundo em segundos. Imagina as mãos gigantes. E fecha os olhos com força. Imagina-o a pegar-lhe, como ser insignificante, na sua mão, a olhá-la nos olhos com desdém. Sempre que pensa que o campo não chega, que queria comer mais pão, que o pai não tem razão, imagina-se na mão de Deus. Às vezes, vê nele a cara do pai.
De um dia para o outro, a mãe ficou confinada à cama. Este medo é o pior de todos. É Deus que vem buscar a mãe, na hora da morte? Será que a vai pegar na sua mão infinita? Será cuidadoso? Vai olhá-la com carinho? Ela espera que sim. A mãe não tem pecado, porque nunca come mais do que deve, nunca fala alto, contenta-se com as quatro paredes e tem colo para todos.
O rosário é tão apertado entre os seus dedos que lhe deixa marcas. Reza com toda a força. Faz promessas infinitas que, no fundo, sabe que nunca conseguirá cumprir. Vai até ao campo, promete que o vai percorrer de início ao fim, se Deus pousar a mãe e não a levar na mão.
No dia do funeral, vai até ao campo. Olha o céu, a erva ainda mais seca, as ovelhas escondidas. Nada lhe parece infinito, nem cheio. Tudo está absurdamente vazio.